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  • Foto do escritorFlávia Ferrari

O "relógio biológico" da maternidade

Como se espera do fruto na árvore seu amadurecimento, há no imaginário social a construção da identidade feminina intrinsecamente ligada à maternidade (acredito que tal exigência recaia em maior grau sobre mulheres cis), algo como o desabrochar do desejo de ser mãe, um destino almejado por todas, uma vontade aguardando o momento ideal para surgir – talvez com o aparecimento daquela pessoa especial em sua vida (o amor romântico), um maior contato com crianças, a finalização de algum projeto profissional, etc. Uma necessidade gravada no DNA de cada sujeito, um dever de lutar pela perpetuação da espécie!


Estamos diante do processo de naturalização de uma questão que é histórica e socialmente construída: a maternidade enquanto suposta estrutura da identidade feminina, a mulher-mãe como algo genético, natural e intrínseco ao ser humano fêmea. Padrões que despontaram, na verdade, com a burguesia no século XIX, dando início aos ideais de mulher “rainha do lar” e “mãe amorosa”, e que ainda hoje se projetam sobre a constituição das subjetividades.


Embora seja possível identificar o movimento (e um grande avanço) pelo rompimento dessa visão, principalmente a partir das lutas feministas, possibilitando às mulheres novas formas de construção de identidades, há também, por outro lado, correntes que vão no sentido inverso e buscam resgatar “valores perdidos/deturpados” na sociedade atual, o retorno da mulher ao seu “lugar de origem”. Obviamente, essa não é uma luta do bem x mal, uma disputa de apenas dois grupos ideologicamente divergentes, o que temos é uma pluralidade de concepções sobre o feminino e sobre a maternidade. A identidade feminina é, portanto, resultado dos processos históricos, de vivências individuais e coletivas, marcada por discursos e valores sociais.


Neste sentido, refletindo sobre a maternidade hoje e tentando desvelar os processos de naturalização visando assumir uma posição de rompimento com mecanismos simbólicos de perpetuação de violências e opressões, por qual motivo ainda questionamos (ou condenamos) as mulheres que não desejam ter filhos?


“Você vai se arrepender depois”, “Mas por que você não quer ter filhos?”, “Ah, isso porque você ainda não encontrou a pessoa certa”, “É por que vocês não conseguem ter filhos?” entre outras frases que dizemos, algumas vezes, sem pensar.


O desejo pela não maternidade guarda a mesma legitimidade em relação ao de ser mãe, a parentalidade não é a única via de constituição familiar. De onde veio a certeza do arrependimento pela escolha de não ter filhos? Por que o questionamento sobre os motivos dessa decisão (já que não se pergunta a razão de se escolher ter filhos)? Há espaço para outros interesses/necessidades? Qual lugar no imaginário social é destinado aos filhos - o de cuidador dos pais na velhice? Que completude seria essa alcançada após a maternidade? Todas as mães foram ouvidas para saber se chegaram lá (é mesmo possível chegar lá)?


As pessoas se constituem de maneiras diversas e não há um roteiro a seguir!




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